Resíduos da cana-de-açúcar geram o biogás, que vira energia elétrica e combustível substituto do diesel
As usinas de cana-de-açúcar do Brasil tiveram um papel importante na redução da emissão de gases poluentes por parte de veículos leves (carros), a partir da produção do etanol
Brasil é o maior produtor mundial do setor, que tem ampliado as alternativas de fontes renováveis a partir de subprodutos como palha, bagaço, vinhaça e torta de filtro, parte sólida da filtração do caldo da cana.
As usinas de cana-de-açúcar do Brasil tiveram um papel importante na redução da emissão de gases poluentes por parte de veículos leves (carros), a partir da produção do etanol.
E, agora, elas têm a oportunidade de fazer o mesmo com os veículos pesados, como caminhões e ônibus, afirma Felipe Marques, diretor de Desenvolvimento Tecnológico do CIBiogás, instituto de pesquisa sobre energias limpas.
Isso é possível a partir do biometano, um biocombustível que pode substituir o diesel e o gás natural. Ele é formado com a purificação do biogás, que, por sua vez, é produzido a partir de diferentes resíduos da cana: bagaço, palha, vinhaça e torta de filtro.
Com o biometano, o Brasil poderia suprir, atualmente, 34% do consumo anual de diesel. E o biogás é capaz de ofertar 17% do uso de energia elétrica no país em um ano.
Os dados são da Associação Brasileira do Biogás (ABiogás).
O biogás e o biometano são considerados fontes de energia limpa por virem de uma matéria orgânica, o que faz com que o dióxido de carbono (CO2) emitido por eles seja absorvido pelas plantas, diferentemente do que ocorre com uma fonte fóssil, que fica na atmosfera.
No mundo, o Brasil lidera a produção da cana-de-açúcar, com uma safra estimada em 628,1 milhões de toneladas para 2020/21, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Em seguida, estão a Índia e a China.
Metade da produção está em São Paulo, seguida de Goiás e Minas Gerais.
Diesel e biometano
As usinas de cana têm até mesmo a oportunidade de usarem o biometano no lugar do diesel em sua frota própria, máquinas e tratores, diz Nicolas Berhorst, que é gerente da área de Inteligência de Mercado do CIBiogás.
“São Paulo, por exemplo, proíbe a queima da cana. E isso provocou o surgimento de máquinas mais desenvolvidas e que consomem mais diesel. Então, se as usinas puderem produzir o seu próprio biometano, é uma forma delas se tornarem renováveis do começo ao fim”, afirma Berhorst.
Segundo dados da Abiogás, o setor sucroenergético consome cerca de 2,5 bilhões de litros de diesel por safra.
Exemplos
No Brasil, o consumo total de diesel chegou a 57,4 bilhões de litros em 2020, de acordo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Em um percurso de 1 km a diesel, são emitidas 1,229 mil gramas de dióxido de carbono equivalente (gCO2 eq), enquanto a mesma distância feita com biometano emite apenas 72 gCO2 eq, calculam os especialistas.
Dióxido de carbônico equivalente é o resultado da multiplicação das toneladas emitidas de gases de efeito estufa, pelo seu potencial de aquecimento global.
Exemplos
No Brasil, já existem experiências práticas com o biometano.
O CIBiogás, por exemplo, fica dentro do parque da Usina Hidrelétrica de Itaipu (PR), que possui uma frota com 42 carros adaptados para o biometano.
No local, o biogás é gerado por meio dos resíduos dos restaurantes do próprio parque. O Globo Rural mostrou essa história em junho deste ano em reportagem.
Assim como em Itaipu, algumas empresas e institutos possuem, há algum tempo, veículos próprios movidos a biometano. Mas a Scania, por exemplo, foi a primeira montadora a comercializar caminhões movidos a este gás no Brasil, em 2020.
A empresa já vendeu 200 veículos no país e, na Europa, em torno de 5 mil, segundo a assessoria de imprensa da companhia.
Energia elétrica
O biogás obtido pelos resíduos da cana-de-açúcar também pode gerar energia elétrica. E, em tempos de crise hídrica e energética, os especialistas comentam a importância de aumentar o uso de fontes de energia alternativas.
Marques diz que, assim como os carvões das termelétricas são estocados – aguardando o seu acionamento quando os níveis dos reservatórios das hidrelétricas caem – os resíduos da cana também podem ser armazenados para o mesmo fim, com o diferencial de gerarem uma energia limpa.
A primeira usina do Brasil a vender energia elétrica no mercado livre (leilões) gerada com os resíduos da cana pertence à Raízen e foi inaugurada em outubro de 2020. O produto é obtido por meio da vinhaça e da torta de filtro da cana (saiba mais no infográfico acima).
O Globo Rural chegou a mostrar essa experiência em uma reportagem no mês de junho deste ano.
Alessandro Gardemann, presidente da Associação Brasileira do Biogás (?ABiogás), diz que outras tecnologias estão sendo estudadas no país, como a geração de energia apenas com o uso da biodigestão da vinhaça.
Segundo ele, os maiores desafios do setor são hoje a disseminação de conhecimento e a criação de mecanismos de financiamento para que essa tecnologia possa se expandir.
“As usinas de cana já têm hoje uma equipe de engenharia muito qualificada, sabem trabalhar com tratamentos térmicos, fermentação […]. Mas poucos produtores conhecem a fundo o biogás”, reforça Berhorst.
Além da unidade da Raízen em Guariba (SP), há duas plantas de biogás do setor sucroenergético em operação no Brasil: São Martinho (Pradópolis – SP) e a Tamboara (Tamboara-PR), segundo dados do CIBIogás.
Há ainda uma expectativa de que, até o final deste ano, uma unidade do Grupo Cocal, no município de Narandiba (SP), comece a produzir biometano, biogás e energia elétrica.
Através do gasoduto construído em parceria com a GasBrasiliano, a Cocal deve ofertar gás para residências, comércios, indústrias e veículos leves e pesados para as cidades de Narandiba, Pirapozinho e Presidente Prudente.
“Parte do biometano será destinado à frota automotiva da Cocal, em substituição ao diesel”, acrescenta a assessoria de imprensa da Cocal.
Outras unidades de biogás em processo de implantação são: Adecoagro (Ivinhema-MS), Boa Vista/São Martinho (Quirinópolis-GO), Cruz Alta (Olímpia-SP), segundo a CIBIogás.
Mecanização da colheita
A queima da palha da cana-de-açúcar para facilitar a colheita sempre foi muito criticada por seus prejuízos ambientais, como emissões de gases do efeito estufa na atmosfera e poluição do ar por fumaça e fuligem.
Mas, com a mecanização da colheita, a prática em São Paulo, por exemplo, foi extinta, diz a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).
Em 97% das lavouras do estado já se faz o uso de máquinas. E, nas regiões onde o trabalho é manual, não há uso do fogo, afirma a entidade.
O fim da queima em SP ocorreu por causa de um acordo entre as usinas com o governo do estado, em 2007. Na ocasião, foi estabelecido um cronograma de eliminação, que encerrou em 2017, conta Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da Unica.
As mudanças em SP evitaram a emissão de 11,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente em 13 anos. No âmbito do acordo, as usinas restauraram 32,2 mil hectares de áreas ciliares e 7,3 mil nascentes.
“Foi um período difícil de adaptação para o setor. […] Passamos por toda uma curva de aprendizado, treinamento da mão de obra […] Mas, hoje, nós temos muitas unidades com produtividade maior ou igual ao que nós tínhamos no passado”, conta Rodrigues.
Nos demais estados do país, não houve acordos para o fim da queima, mas 89,1% da colheita nacional já é feita com máquinas, indicando uma menor probabilidade da ocorrência deste uso.Fonte: Portal G1
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