Com menos gastos e mais impostos, municípios dobraram investimentos na pandemia
Estudo da USP mostra que dinheiro em caixa das prefeituras teve aumento de 3.600%, e recursos para áreas como habitação, saneamento e transporte dobraram
Uma junção de menor avanço de despesas como salários de servidores, que ficaram congelados, e aumento na arrecadação de impostos, que disparou com a inflação, fez com que os municípios brasileiros acumulassem um caixa recorde nos anos de pandemia e duplicassem os seus níveis de investimentos.
A melhora das contas também fez com que a avaliação de crédito dos municípios, calculada pelo Tesouro Nacional, melhorasse, e o número de cidades com notas A e B mais que dobrou.
Essas são algumas das principais conclusões de um levantamento das finanças municipais feito pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM) da Universidade de São Paulo (USP).
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Habitação, saneamento e transporte, além de saúde e educação, que têm verbas mínimas obrigatórias, estão entre as áreas que receberam os maiores aumentos de recursos desde 2018.
“São áreas que estiveram em dificuldade nos últimos anos, e, com o aumento de caixa, as prefeituras devem ter conseguido dar conta delas”, diz uma das coordenadoras do estudo, Ursula Peres, pesquisadora do CEM e professora do curso de Gestão Pública da USP.
“Não dá para saber se estão fazendo direito ou não, se os projetos são bons, mas sabemos que são investimentos de que o Brasil precisa”, acrescentou Ursula, que já trabalhou nas secretarias de Finanças e de Orçamento da cidade de São Paulo.
Arrecadação cresceu mais que gastos
A pesquisa analisou e comparou os níveis de receita, gastos e caixa de um conjunto de 600 cidades com mais de 50 mil habitantes no país em 2018 e em 2022 – ambos anos de eleição presidencial, antes e depois da pandemia.
Juntos, esses municípios reúnem o grosso da população e da riqueza do país.
A receita corrente líquida deles, formada pela arrecadação de tributos e por repasses da União, teve, no total, um aumento de 24% na comparação de 2022 ante o resultado de 2018, já considerado o crescimento acima da inflação.
As despesas com pessoal e encargos sociais, por sua vez, subiu menos da metade disso, 10%, também acima da inflação.
É nessa rubrica que entram os recursos destinados pelas prefeituras para os salários e aposentadorias de servidores ativos e inativos, tradicionalmente o maior gasto dos governos locais.
Congelar o salário de servidores e aplicar outras medidas de ajustes foram algumas das contrapartidas exigidas dos estados e municípios pelo governo federal, em 2020 e 2021, para que pudessem receber os recursos emergenciais de ajuda que foram dispensados durante a pandemia.
O estudo também destaca o fato de ter avançado o número de municípios que fizeram suas próprias reformas da Previdência local de lá para cá, racionalizando, também, esse gasto.
Caixa 3.500% maior
Como a arrecadação cresceu bem mais rápido do que as principais despesas, a proporção entre os gastos com folha de pagamento e a receita caiu. Ela passou de 51,4% em 2018 para 45,5% em 2022.
Como resultado da folga no orçamento, o caixa acumulado atingiu níveis jamais vistos: o dinheiro em caixa, considerado o total dos 5.658 municípios brasileiros, saiu de R$ 941 milhões, em 2018, para R$ 34,4 bilhões em 2022.
É um aumento de 3.500%. Quer dizer: o dinheiro disponível para as prefeituras gastarem se multiplicou por 36.
Os dados são do Banco Central e foram compilados pelos pesquisadores da USP, já considerados valores atualizados pela inflação.
O dobro em investimentos
Com dinheiro sobrando, os investimentos dispararam.
O estudo do CEM verificou que, no conjunto dos 600 municípios que analisou, as despesas com investimentos foram as que mais cresceram nesse período.
A alta foi de 94%: os valores saíram de um total de R$ 21,3 bilhões em 2018, considerado o conjunto dos municípios somado, para R$ 41,2 bilhões em 2022.
“Grau de investimento”
A avaliação da situação financeira deles também melhorou.
“Em 2018, havia 1.314 municípios com notas A e B e que, portanto, conseguiam acessar operações de crédito”, diz Ursula. “Agora, são 3.329.”
Essa avaliação de crédito é feita pela Secretaria do Tesouro Nacional por meio do Capag, sistema de avaliação da Capacidade de Pagamento dos estados e municípios.
É um sistema parecido ao das agências de avaliação de crédito, que analisam o risco de calote dos países e avaliam se eles têm ou não grau de investimento.
As notas do Capag vão de A a D, e os governos locais com as notas mais altas podem pegar empréstimos com garantia da União.
Isso dá a eles uma facilidade muito maior no acesso a crédito para investimentos e outras despesas.
Arrecadação turbinada pela inflação
Ursula, do CEM, explica que o salto na arrecadação foi ajudado, em boa parte, pela inflação e pela disparada no preço das commodoties durante a pandemia, como aconteceu, por exemplo, com o petróleo e, com ele, os combustíveis.
Esse efeito faz com que os impostos coletados subam com o preço dos produtos e serviços em que são aplicados.
A receita com ICMS, por exemplo, que é recolhido pelos estados e repassado, proporcionalmente, aos municípios, cresceu 11% entre 2018 e 2022, com ajuda do aumento de alguns dos principais itens que pagam esse imposto e que ficaram bem mais caros no período: a gasolina e a conta de luz.
A arrecadação do ISS, aplicado pelas próprias prefeituras sobre serviços, avançou 28%.
Os recursos que são pagos pelo governo federal às prefeituras, por meio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), também tiveram um salto expressivo, de 40%.
O FPM é alimentado pelo dinheiro arrecadado pela Receita Federal com o Imposto de Renda (IR) e o IPI e que deve, em parte, ser repassado aos municípios.
“Se a arrecadação do IR cresce, o fundo cresce”, diz Ursula. “E a União teve uma arrecadação extraordinária com IR no ano passado, com a alta das commodities e da inflação. E os municípios receberam parte disso.”
www.valenoticiapb.com.br – Por Juliana Elias, CNN Brasil, São Paulo